Pergunto-me sobre os artifícios de se falar de violência através da violência. Não me convenço de todo, mas encontro pequenas respostas. A repetição parece naturalizar a violência. Na ação com Roberta, em um dado momento já não me percebia agredida – ainda que imaginasse a vermelhidão da minha narina – e só queria que aquilo acabasse porque já estava entediada de ser invadida. A repetição e o tédio talvez seja uma rota alternativa que encontramos para invisibilizar uma agressão.
Os primeiros desejos que disputávamos a cada pelo arrancado e compartilhado falavam de mim. Imagino que por estar disponível e entregue, quis de alguma forma que fossem verdadeiros. Parece-me que eu também estabelecia algum pacto íntimo ali comigo mesma.
Mas até mesmo o nosso desejo se esvazia com a repetição. Quando chegávamos a um novo pelo, rapidamente empreendíamos em busca do próximo – às vezes as duas ativas, às vezes eu inerte e ela ativa, mas nunca viceversa – como se aquilo nos aproximasse de algum fim. Os desejos, porém, – depois descobrimos – coincidiam. “Que isso acabe”, apenas.
[Após a ação, Roberta me conta que sua filha pequena se sentia agredida sempre que ela limpava suas narinas. Hoje ao dar banho na pequena Marina, peço licença sempre que me vejo obrigada a invadi-la.]
A hipótese de que a intimidade escorre também pela boca encontra confirmações quando percebo que enquanto nos invadimos narinas adentro, deixamos escapar sorrisos e cochichos que travestem a violência e deságuam em um desajeitado esboço de intimidade.
Mas em nenhum momento me vi invadida. Senti as narinas quentes, mas não as vi vermelhas. A obra Adentro, outra vez, me escancara. O rosto desfigurase. Uma forma desconhecida de mim. Mais uma vez, a falta de controle do registro oportuna um visão crua e pouco estetizada de mim, invadida. Continuo desconhecendo-me, ainda que saiba um pouco mais com o que me pareço ao ser invadida.
Por fim, preciso falar sobre tempo. De certo não sei quanto tempo nos demoramos. Para mim e Roberta foi o tempo de muitos desejos para que aquilo de pronto se encerrasse.
Para Adentro, foi o necessário para que o tempo da espectadora atravessasse a violência ali explícita e a colocasse muito próxima de onde estávamos Roberta e eu: invadidas, entediadas. Adentro tem duração de 35 minutos e 40 segundos.
Para esta cena Roberta invadiu minhas narinas em busca de pelos que se tornariam pedidos.